Desde que comecei a me interessar
por improvisação me pareceu que havia algo de essencialmente diferente na forma
como expressamos o tap na situação improvisada e na coreografada. Bem...
óbvio! Só que esse “algo óbvio”, essa diferença essencial, me
desconcerta, desperta minha curiosidade,
me intriga, me dá o que pensar... me soa como uma peça chave na formação de um
sapateador.
Para
mim essa peça chave se chama “autonomia”.
Pode-se
dizer que tudo o que se precisa saber para improvisar sapateado está também
presente em uma coreografia: senso musical, domínio de técnica, alguma noção do
que lhe agrada ou não em termos estéticos (o tal do “gosto”, né?). Mas sabemos
na prática que podemos ser muito precisos e expressivos quando coreografados,
desempenhando bem todos esses quesitos, e mesmo assim travarmos na hora de
improvisar. Não é assim?
Deixando
pra outro momento falar sobre medo, que provavelmente é o maior inimigo da improvisação,
acho que o ponto a observar é que reproduzir
não significa necessariamente entender.
Quando
o coreógrafo cria, ele usa para isso o seu passado. Usa sua vivência, a
sabedoria que já existe em seu corpo, para criar uma obra. Aquele que aprende a
coreografia vê a “parte de fora” – a obra pronta. Mas não necessariamente
enxerga as bases da qual a obra saiu, os “mecanismos” (a menos que seja
bastante intuitivo!). O coreógrafo oferece ao bailarino a sua escrita, mas isso
não quer dizer, necessariamente, que o bailarino aprenda a escrever – quiçá seus
próprios poemas!
Imagino
uma formação para o improviso de tap que seja isso: mais do que fazer decorar
poemas, ensinar os mecanismos da escrita – o que é uma rima, o que é métrica? E
o vocabulário, sobre o que escrever? Como se segura uma caneta?
Metáforas à parte, imagino,
mesmo, criar uma situação tal que o sapateador não só aprenda a escrever seus
próprios poemas como se torne um repentista,
capaz de ativar todos esses conhecimentos de forma imediata e espontânea,
sem escrita prévia nem premeditação.
Dentro
dessa pretensiosa perspectiva tento organizar minhas aulas. Gosto da ideia que
meu aluno poder vir a conhecer os “mecanismos internos” do tap (se é que
existem, claro, e feita a ressalva de que são os “mecanismos” que eu penso conhecer!) e que possam, assim,
ter autonomia para criar. Exercícios que
tragam subsídios para a improvisação, e consciência do que está acontecendo no
momento da improvisação. Entender o processo do improviso, ver o aprendizado do improviso como um processo , ajuda a desmistificar a maravilha da criação espontânea,
tão apavorante, tão genial, tão... inacessível!!! Não é inacessível. É algo a
ser descoberto, uma descoberta interior, e das mais excitantes!
Naturalmente
que há pessoas que não necessitam de um processo que a “leve pela mão”. Algumas
pessoas são tão espontaneamente intuitivas (podemos chamar isso de talento, se
quisermos) que simplesmente compreendem o todo da coisa sem maiores elocubrações.
Mas isso não significa que elas não utilizem determinados mecanismos, significa simplesmente
que os tem tão naturalmente desenvolvidos que não chegam a tomar consciência
deles (e será que, quando tomam, não se tornam artistas ainda maiores?)
Como professor, prefiro trabalhar com todas as outras pessoas. Estas me desafiaram e me desafiam, todo dia, a descobrir meus próprios mecanismos de aprendizado! A minha própria escrita.
Como professor, prefiro trabalhar com todas as outras pessoas. Estas me desafiaram e me desafiam, todo dia, a descobrir meus próprios mecanismos de aprendizado! A minha própria escrita.