segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Acerca da improvisação - meditações de verão

Desde que comecei a me interessar por improvisação me pareceu que havia algo de essencialmente diferente na forma como expressamos o tap na situação improvisada e na coreografada.  Bem...  óbvio! Só que esse “algo óbvio”, essa diferença essencial, me desconcerta,  desperta minha curiosidade, me intriga, me dá o que pensar... me soa como uma peça chave na formação de um sapateador.

Para mim essa peça chave se chama “autonomia”.

Pode-se dizer que tudo o que se precisa saber para improvisar sapateado está também presente em uma coreografia: senso musical, domínio de técnica, alguma noção do que lhe agrada ou não em termos estéticos (o tal do “gosto”, né?). Mas sabemos na prática que podemos ser muito precisos e expressivos quando coreografados, desempenhando bem todos esses quesitos, e mesmo assim travarmos na hora de improvisar. Não é assim?

Deixando pra outro momento falar sobre medo, que provavelmente é o maior inimigo da improvisação, acho que o ponto a observar é que reproduzir não significa necessariamente entender.    
Quando o coreógrafo cria, ele usa para isso o seu passado. Usa sua vivência, a sabedoria que já existe em seu corpo, para criar uma obra. Aquele que aprende a coreografia vê a “parte de fora” – a obra pronta. Mas não necessariamente enxerga as bases da qual a obra saiu, os “mecanismos” (a menos que seja bastante intuitivo!). O coreógrafo oferece ao bailarino a sua escrita, mas isso não quer dizer, necessariamente, que o bailarino aprenda a escrever – quiçá seus próprios poemas!

Imagino uma formação para o improviso de tap que seja isso: mais do que fazer decorar poemas, ensinar os mecanismos da escrita – o que é uma rima, o que é métrica? E o vocabulário, sobre o que escrever? Como se segura uma caneta?

Metáforas à parte, imagino, mesmo, criar uma situação tal que o sapateador não só aprenda a escrever seus próprios poemas como se torne um repentista, capaz de ativar todos esses conhecimentos de forma imediata e espontânea, sem escrita prévia nem premeditação.

Dentro dessa pretensiosa perspectiva tento organizar minhas aulas. Gosto da ideia que meu aluno poder vir a conhecer os “mecanismos internos” do tap (se é que existem, claro, e feita a ressalva de que são os “mecanismos” que eu penso conhecer!) e que possam, assim,  ter autonomia para criar. Exercícios que tragam subsídios para a improvisação, e consciência do que está acontecendo no momento da improvisação. Entender o processo do improviso, ver o aprendizado do improviso como um processo , ajuda a desmistificar a maravilha da criação espontânea, tão apavorante, tão genial, tão... inacessível!!! Não é inacessível. É algo a ser descoberto, uma descoberta interior, e das mais excitantes!

Naturalmente que há pessoas que não necessitam de um processo que a “leve pela mão”. Algumas pessoas são tão espontaneamente intuitivas (podemos chamar isso de talento, se quisermos) que simplesmente compreendem o todo da coisa sem maiores elocubrações. Mas isso não significa que elas não utilizem determinados mecanismos, significa simplesmente que os tem tão naturalmente desenvolvidos que não chegam a tomar consciência deles (e será que, quando tomam, não se tornam artistas ainda maiores?)
Como professor, prefiro trabalhar com todas as outras pessoas. Estas me desafiaram e me desafiam, todo dia, a descobrir meus próprios mecanismos de aprendizado! A minha própria escrita.

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